Há momentos em que apesar do sol, do calor, das cores vivas dos transeuntes, do barulho alegre das conversas descontraídas de verão, nos parece faltar alguma coisa de mais profundo, mais emocional, de maior cumplicidade. Algo interiormente mais rico, que nos amenize qualquer desarmonia de sentimentos.
Assim, mesmo dessa forma, abandono o local de trabalho e trilho em passo breve o passeio, atravessando parte da cidade. Com a mesma rapidez olho tudo porque passo, cuja impressão que retenho é inversa a esse ritmo apressado.
Já me esperam. Um sorriso na receção e um beijinho sempre amigo, Digo o que pretendo e acordamos pareceres sobre essa a minha vontade- Sento-me e recosto-me numa confortável cadeira, deixando que a água agradavelmente fresca, escorra livremente sobre a minha cabeça. Liberta-me os pensamentos, refresca-me a alma. Cerro os olhos e ao ritmo das massagens nos cabelos, deixo-me viajar para locais onde já vivi tantos momentos de prazer e felicidade, com as pessoas que povoam a minha vida.
Mudo de posição e os cabelos continuam noutras mãos, numa luta saudável de uma reorganização livre e estética.
Os temas de conversa mudam, mas prendem-se, hoje, com a perda de pessoas próximas, não trazendo no entanto, nenhuma angústia, mas pelo contrário, libertando-nos desse sentir, numa aceitação espontânea, atitude que apazigua os sentires de cada uma de nós, que vivenciamos neste momento uma situação de luto, individual, mas similar.
A atenção, o carinho, a disponibilidade com que me cuidam e o meu retorno desse sentir, torna este momento agradável e relaxante, de parte a parte. Uma forma humana de agradecimento pelo bom trato e o empenho em corresponder à minha expectativa.
Deixo os cabelos soltarem-se em direção ao chão, sinto o ar forte que os atravessa até o voltar breve e sacudido com que os reponho de forma natural e ordenada.
A conversa continua agora sobre a importância que todos temos em partilhar a vida com a família, em não nos sentirmos sós no mundo. Quão gratas nos sentimos por termos irmãos, por termos amigos, por não ficarmos apenas nós quando os mais velhos vão faltando… e eu, já me sinto a geração seguinte! Mas aproveitemos todos os momentos e tenhamos vaidade de todos eles, fazendo o melhor possível, vivendo com e para os outros e valorizando as emoções, respeitando os valores, nossos e os dos outros, em detrimento, do material e da quantidade.
Olho-me ao espelho e sinto-me satisfeita com o que vejo, um novo penteado, mais leve e brilhante, que não me apaga as rugas que vão teimando em aparecer, a minha história sulcada na minha face. Contudo, uma vida de que me orgulho no que a pode conceber e no que tenho enfrentado e continuado a viver.
Saio da minha cabeleireira, de uma estada tao breve e simples, que contudo me devolveu a paz interior, as cores, o sol, as gargalhadas soltas dos veraneantes e me fez sentir de novo, mais mulher! Mais feminina e orgulhosa de o ser, esperando ter-lhe deixado também, este meu sentir, à sua maneira, como reconhecimento.
Pensem então, como é importante deixar que cuidem de nós: pequenos gestos, pequenos rituais, pequenas mudanças, que nos fazem voltar a sentirmo-nos com aquele bem-estar e tão femininas e orgulhosas de o sermos!
Reinventem-se, num voltar contínuo à vossa beleza, ao vosso equilíbrio, sempre com o desafio de conseguirem também, gratificar quem de vós cuidou!
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